A formalização da cessão de crédito em contratos administrativos é um anseio antigo de empresários que contratam com o Poder Público. Por vezes, o empresário necessita realizar operações financeiras em instituições bancárias, que exigem garantia para sua concretização e, a cessão de crédito pode ser a solução para atender a tal exigência.
E a tão discutida questão, ao que parece, chegou ao final. A formalização de cessão de crédito em contratos administrativos foi tratada em parecer, de autoria da Advocacia Geral da União – AGU, de nº JL – 01, de 18 DE maio de 2020 – PROCESSO nº 01200.004711/2014-73 e encaminhado ao Presidente da República para assinatura, com a seguinte ementa:
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO, LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. CESSÃO DE CRÉDITO ORIUNDO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. RESTRIÇÕES, FORMALIDADES E CAUTELAS. CONTINUIDADE DA EXECUÇÃO DO OBJETO CONTRATUAL PELA EMPRESA CONTRATADA.
De acordo com o parecer, preliminarmente, a Administração Pública deverá avaliar se a cessão de crédito ensejará algum prejuízo ao atendimento ao interesse público e, desde que conclua pela inexistência de dano, não haverá qualquer óbice para sua formalização.
Para que a cessão de crédito possa ser efetivada, a Administração deverá cercar-se de algumas cautelas, certificando-se do preenchimento dos seguintes requisitos:
1) Ausência de vedação no edital ou contrato administrativo;
2) Formalização de termo aditivo ao contrato administrativo a ser firmado entre a Administração e a Contratada;
3) Condicionamento do pagamento à cessionária de apresentação de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista;
4) Comprovação de que a cessionária não tenha sido sancionada com as penalidades de suspensão temporária de participação em licitações, nem tenha impedimento de contratar com a Administração; não tenha sido declarada inidônea para licitar e contratar com a Administração Pública; não esteja proibida de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, de que cuida o art. 12 da Lei nº 8.429/92
5) Definição que o valor a ser pago a cessionária será àquele que seria devido à empresa contratada (cedente); restando claro a possibilidade de descontos, referentes a multas, glosas, prejuízos causados à Administração;
6) Definição de que a cessão de crédito não afeta a execução do objeto contratado, o qual permanecerá sob a responsabilidade da contratada.
A cessão de crédito não altera a relação contratual entre o contratante e o contratado, nem compromete a liquidação do valor devido mediante apuração da fiscalização do contrato. O crédito cedido é patrimônio do credor, é um valor ativo. Possui valor no comércio, e como tal pode ser negociado. A oposição injustificável à cessão de crédito é uma negação ao direito de propriedade, garantido na Constituição da República.
As obrigações assumidas pela contratada (cedente) com a Administração continuam vigorando na cessão de créditos, haja vista que o que se transfere é o direito do crédito e tão somente; daí não poder se falar em transferência de contrato. A execução contratual permanece sendo obrigação da contratada. A característica do contrato administrativo ser intuitu personae não é afetada, pois inexiste modificação das partes contratantes.
Para efetivação da cessão de crédito é necessária a notificação da Administração, no papel de cedido, pois sua ausência poderá ensejar o pagamento junto ao devedor cedente. Tal notificação do ato para ciência, é o momento em que será devido opor ao cessionário as exceções que lhe competirem; além de ser o momento de conhecer a quem deverá pagar. Concretizada a notificação, o pagamento realizado pelo cedido será a favor do cessionário, e não da contratada, que passou a ser cedente.
Nota-se que, mesmo havendo a notificação da cessão de crédito à Administração, o pagamento restará condicionado à execução contratual e fiscalização do órgão contratante. O crédito a ser pago à cessionária é exatamente aquele que seria pago à cedente (contratada), crédito este passível de descontos por eventuais multas, glosas e prejuízos causados à Administração.
Inexiste incompatibilidade entre a cessão de crédito e o regime jurídico de direito público. A Administração só é lícito fazer aquilo que esteja previsto em lei, sendo que “lei” deve ser entendido não somente as normas de direito público. A corroborar tal entendimento, necessária a transcrição do art. 54 da Lei nº 8.666/93:
Art. 54 Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições do direito privado.
Não há, ainda, que se falar em óbice à cessão de crédito por ofensa ao art. 63 da Lei nº 4320/64, que determina:
Art. 63 A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
Ou seja, a lei apenas dispõe que durante a fase de liquidação, é preciso apurar a quem se deve pagar; em momento algum estabelece que o pagamento deverá ser em favor apenas da contratada.
Alusão à vedação constante no art.78, VI da Lei nº 8.666/93 também não merece prosperar, tendo em vista que o citado inciso trata de subcontratação, o que não é o caso em tela.
E, por fim, no que se refere ao obstáculo advindo do art. 44, do Decreto nº 93.872/86:
Art. 44 O pagamento de despesa será feito mediante saque contra o agente financeiro, para crédito em conta bancária do credor, no banco por ele indicado, podendo o agente financeiro fazer o pagamento em espécie, quando autorizado.
Verifica-se pela simples leitura da norma acima identificada, que a Administração deve apurar quem é o credor, não havendo qualquer condição de que seja o contratado.
Por todo o exposto, constata-se que a formalização de cessão de crédito em contratos administrativos deve ser admitida pelo Poder Público, por ser um direito do contratado que, muitas vezes, encontra nesta possibilidade, a solução de seus problemas financeiros. O parecer formulado pela AGU reconhece essa possibilidade e determina requisitos que devem ser cumpridos para equilibrar os direitos e deveres que passam a existir entre as três partes, sem que haja prejuízo aos princípios do Direito Administrativo que devem regular as ações do ente público.
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