Revogação de Processos Licitatórios – ato discricionário?

Frequentemente nos deparamos com publicações governamentais informando revogação de processos licitatórios. No entanto, algumas vezes, essa decisão adotada por parte do administrador público pode e deve ser questionada.

A Lei de regência das licitações, qual seja, Lei n. 8.666/93 em seu art. 49, ao tratar da revogação, assim dispõe:

A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado

Constata-se que a revogação somente poderá ser utilizada pelo administrador, caso hajam razões de interesse público decorrente de fato superveniente, fato este que deverá ser amplamente comprovado nos autos do processo licitatório, estando atendidos os seguintes requisitos:

1) Fato superveniente que tenha tornado o procedimento inconveniente ou inoportuno;
2) Motivação;
3) Contraditório e ampla defesa prévios.

Fundamental a ocorrência de fato superveniente gerador de alteração do interesse público, de tal forma que a licitação não seja mais conveniente e oportuna para alcançar os objetivos buscados pelo Poder Público.

Oportuna a lição de Hely Lopes Meirelles:

Releva notar, ainda, que o juízo de conveniência para a revogação deve basear-se em fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar aquele ato (art. 49, caput). A discricionariedade administrativa sofreu séria restrição legal, pois a revogação há de se fundamentar necessariamente em fatos novos, não mais admitindo a mudança do critério de oportunidade expendido anteriormente, para a abertura do procedimento licitatório.

Não há que se falar em motivos que deveriam ter sido apreciados em fase anterior à homologação do processo, tais como preços estimativos acima de valores praticados no mercado. Especificamente neste caso, antes de celebrar qualquer contrato, e até antes de homologar qualquer processo, a Administração Pública deve apurar o valor estimado da contratação, em conformidade com os arts. 7º, §2º, inc. II e 40, § 2º, inc. II da Lei n. 8.666/93. A Administração deve se valer, além de orçamentos de fornecedores, de valores referentes a contratações anteriores, contratos celebrados por outros órgãos, de atas de registro de preços.

A motivação visa proporcionar validade e legitimidade ao ato administrativo. Os motivos da revogação hão de estar devidamente discriminados nos autos, afim de comprovar que o interesse público foi devidamente resguardado; ressaltando que a ausência de motivação é causa de invalidade do ato.

No que se refere ao contraditório e a ampla defesa existem divergências entre doutrina e jurisprudência.

A Lei n.8.666/93, em seu art. 49, § 3º, estabelece:

No caso de desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa.

A Constituição da República assegura a ampla defesa e o contraditório de modo amplo, sem restringir sua adoção nos casos de existência de direito subjetivo.

Art. 5º, LV aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes

Embora a princípio, reste claro que aos licitantes inconformados com a decisão de desfazimento do processo licitatório será concedido o contraditório e ampla defesa, não tem sido este o entendimento dos tribunais.

O Superior Tribunal de Justiça em diversas decisões já se manifestou no sentido de que o contraditório e a ampla defesa somente seriam exigíveis, caso o procedimento licitatório tenha sido concluído.

ADMINISTRAÇÃO- LICITAÇÃO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 49, §3º, DA LEI 8.666/93
(…) Só há aplicabilidade do § 3º, do art. 49, da Lei 8.666/93, quando o procedimento licitatório, por ter sido concluído, gerou direitos subjetivos ao licitante vencedor (adjudicação e contrato) ou em casos de revogação ou de anulação onde o licitante seja apontado, de modo direto ou indireto, como tendo dado causa ao proceder do desfazimento do certame (MS 7.017/DF, Rel. Min. José Delgado, DJ de 2/4/2001)

O Tribunal de Contas da União, em decisão recente, coaduna com o entendimento do STJ, senão vejamos:

Somente é exigível a observância das disposições do art.49, § 3º da Lei 8.666/93 quando o procedimento licitatório, por ter sido concluído com a adjudicação do objeto, gera direitos subjetivos ao licitante vencedor ou em casos de revogação ou de anulação em que o licitante seja apontado, de modo direto ou indireto como causador do desfazimento do certame. (Acórdão 2.656/19 – TCU)

As decisões dos tribunais pátrios vão no sentido de que antes da homologação do certame, têm os concorrentes expectativa de direito ao resultado da escolha a cargo da Administração, não sendo pertinente se falar em direito adquirido; não sendo o caso, portanto, da concessão do contraditório.

Em que pese a existência de posições divergentes quanto à concessão do direto do contraditório e ampla defesa na totalidade das revogações; urge salientar a imprescindibilidade para que o Poder Público aponte qual o interesse público tutelado e por que razão ele não é mais atendido com a licitação. A revogação da licitação não é ato discricionário, estando vinculada aos requisitos estabelecidos legalmente.

A corroborar tal entendimento, Denúncia n. 1066862, Rel. Cons. Sebastião Helvécio, 03.03.2020, TCEMG

A autoridade competente para a aprovação do procedimento, somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado. O desvio de função acarreta violação aos princípios norteadores da Administração Pública, em especial o da legalidade e o da moralidade. A celebração de termo de cooperação, quando o objeto pactuado envolve aquisição de bens e serviços e não parceria e mútua cooperação, caracteriza burla ao procedimento licitatório.

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